quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Born to be wild

Era uma noite de calor, em pleno inverno de 2009. Quem mora no subúrbio entende bem o burburinho muito característico que resvala as ruas mal conservadas dos bairros durante a noite, que misturam vozes de crianças brincando de bola, conversa fiada de bar, vizinhos que conversam sobre vizinho pelos muros, fazendo suas vozes ultrapassarem as barreiras cimentadas dos quintais, cachorros que latem para tudo e para nada - muitas vezes, pode-se ouvir uma verdadeira orquestra desses incômodos e divertidos animais, geralmente na hora no noticiário ou quando repousamos a cabeça sobre o travesseiro para dormir.
Naquela noite de calor, em pleno inverno de 2009, não houve diferença nesta tradicional rotina noturno-suburbana no rio de janeiro. Todos, como de costume, saíam de suas casas, pois o calor inescrupulosamente ardente daquela noite não propiciava passar períodos acolhedores em família dentro de casa. O ventilador simplesmente não dava conta. E os poucos que ousavam ligar o ar-condicionado, em algum momento sentiram peso na consciência ao lembrar-se que, em nosso tempo, todos DEVERIAM fazer economia de eletricidade. Consumo responsável, sabe? Claro que isso só se aplica a quem não pode pagar a mais pelo serviço de energia elétrica. Todos sabiam disso. O racionamento é pros pobres. Mas havia uma certa aura que conferia uma importância quase celestial à mãe que bradava aos filhos para que desligassem as luzes que não estavam sendo usadas.
Era sexta-feira. Era noite. Era inverno e fazia calor em 2009. Todos nas calçadas, nas ruas, nos bares. Mas só uma pessoa percebeu que havia algo de estranho no ar. A atmosfera estava pesada, de uma densidade quase palpável, quase visível. O mistério insondável encontrava-se na forma de um homem, chapéu e capa, que, parado na esquina da Rua Padre Manoel da Nóbrega com Avenida Dom Elder Câmara. Respirava mistério e exalava suspense de suas entranhas. Não falava, não cantava, não gesticulava. Mas dizia muita coisa simplesmente ali parado, encostado no muro do posto de gasolina abandonado.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Uma cidade desolada

    As grades encontram-se por toda a parte.
    Os arames farpados, que também são impossíveis de contar, não cortam só a pele e a carne de quem tenta ultrapassar os limites estabelecidos arbitrariamente, mas também os olhos e a alma de quem observa, impassível, o caos urbano há muito estabelecido. A mistura improvável de matizes que passeiam entre o verde e o cinza compõem a paisagem deste lugar no qual estamos todos presos. Eu não posso fugir, nem ninguém. Quem podia já está longe, e restamos nós, que pelos mais diversos motivos ficamos entocados, não podemos ultrapassar as linhas divisórias desses arames farpados.
    Hoje faz um calor escaldante e o solo rachado das ruas aumenta a sensação de medo ao transitar pelos recônditos da cidade devastada. O calor que vem de cima é aumentado por esta roupa pesada e desconfortável que sou obrigado a vestir para permanecer vivo. Ela é a minha proteção e também minha esperança de estar de olhos abertos para ver dias melhores. Caminho entre dois pontos, sem a certeza de que chegarei ao meu destino, ou que voltarei ao meu esconderijo. Mas é preciso sair em busca de provisões, que nesses tempos já não são nada fáceis de serem encontradas. Foi-se o tempo em que tudo era abundância e que não tínhamos estas preocupações. Hoje, temos a desordem e nada mais está em seu lugar. Por isso tudo tornou-se escasso, ao mesmo tempo em que há sobra de tudo em algum lugar, que ainda não encontrei. Mas sigo procurando.
    Ao correr de um lado a outro neste imenso carro de carga, cada um desce onde precisa ou pede um lugar para vencer as distâncias, impossíveis de transpor a pé. Pela janela, vejo o desolamento em que se encontra a cidade agora. Houve um tempo em que as pessoas poderiam parar, observar e até mesmo consertar estes erros que agora largamos para trás, denunciando a destruição que já não pode ser remediada. Um prédio ficou inacabado nesse lugar, que já foi uma importante via da cidade antiga. Outro, mais adiante, e mais um. Pelo caminho, casas em péssimo estado, como que bombardeadas, largamente perfuradas pelos incontáveis tiros, chacoalhadas pelas explosões. Como eu disse, quem não fugiu ficou, mas agora não pode mais dar atenção a estas coisas tão banais, perto da iminência da destruição.
    Seitas de última hora, como em qualquer cenário apocalíptico, se multiplicam e seus pregadores alardeam um fim próximo, que na verdade parece que já chegou. Fazem suas vítimas os crédulos de toda a sorte, que engrossam o caldo de soluções ineficazes contra um monstro que alastra seus tentáculos por todos os lados. Usam suas roupas esquisitas, erguem prédios colossais ou se reúnem nos mais improváveis espaços dentro dos restantes guetos da cidade. Mas a ajuda que eles oferecem e pedem... Não, não chega a aliviar ninguém, nem a ajuda humana, nem a divina.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Mais uma dose?

Sim, mais uma dose. Porque eu sou assim; a gente é assim.
Já deve ser a décima quinta vez que resolvo voltar a escrever, e mais uma vez me deparo com aquele canion gigantesco que separa o querer e o poder nas nossas vidas. Mas tudo bem, porque eu sou persistente e... Bem, é muito provável que eu desista mais uma vez no meio do caminho. E também muito provavelmente será por algum dos motivos que anteriormente já me venceram, como a preguiça, ou algum outro pecado capital.
De qualquer forma, aqui estou eu. Entre cacos e cavacos, aos trancos e barrancos.