terça-feira, 1 de setembro de 2009

Uma cidade desolada

    As grades encontram-se por toda a parte.
    Os arames farpados, que também são impossíveis de contar, não cortam só a pele e a carne de quem tenta ultrapassar os limites estabelecidos arbitrariamente, mas também os olhos e a alma de quem observa, impassível, o caos urbano há muito estabelecido. A mistura improvável de matizes que passeiam entre o verde e o cinza compõem a paisagem deste lugar no qual estamos todos presos. Eu não posso fugir, nem ninguém. Quem podia já está longe, e restamos nós, que pelos mais diversos motivos ficamos entocados, não podemos ultrapassar as linhas divisórias desses arames farpados.
    Hoje faz um calor escaldante e o solo rachado das ruas aumenta a sensação de medo ao transitar pelos recônditos da cidade devastada. O calor que vem de cima é aumentado por esta roupa pesada e desconfortável que sou obrigado a vestir para permanecer vivo. Ela é a minha proteção e também minha esperança de estar de olhos abertos para ver dias melhores. Caminho entre dois pontos, sem a certeza de que chegarei ao meu destino, ou que voltarei ao meu esconderijo. Mas é preciso sair em busca de provisões, que nesses tempos já não são nada fáceis de serem encontradas. Foi-se o tempo em que tudo era abundância e que não tínhamos estas preocupações. Hoje, temos a desordem e nada mais está em seu lugar. Por isso tudo tornou-se escasso, ao mesmo tempo em que há sobra de tudo em algum lugar, que ainda não encontrei. Mas sigo procurando.
    Ao correr de um lado a outro neste imenso carro de carga, cada um desce onde precisa ou pede um lugar para vencer as distâncias, impossíveis de transpor a pé. Pela janela, vejo o desolamento em que se encontra a cidade agora. Houve um tempo em que as pessoas poderiam parar, observar e até mesmo consertar estes erros que agora largamos para trás, denunciando a destruição que já não pode ser remediada. Um prédio ficou inacabado nesse lugar, que já foi uma importante via da cidade antiga. Outro, mais adiante, e mais um. Pelo caminho, casas em péssimo estado, como que bombardeadas, largamente perfuradas pelos incontáveis tiros, chacoalhadas pelas explosões. Como eu disse, quem não fugiu ficou, mas agora não pode mais dar atenção a estas coisas tão banais, perto da iminência da destruição.
    Seitas de última hora, como em qualquer cenário apocalíptico, se multiplicam e seus pregadores alardeam um fim próximo, que na verdade parece que já chegou. Fazem suas vítimas os crédulos de toda a sorte, que engrossam o caldo de soluções ineficazes contra um monstro que alastra seus tentáculos por todos os lados. Usam suas roupas esquisitas, erguem prédios colossais ou se reúnem nos mais improváveis espaços dentro dos restantes guetos da cidade. Mas a ajuda que eles oferecem e pedem... Não, não chega a aliviar ninguém, nem a ajuda humana, nem a divina.